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quarta-feira, 2 de março de 2011

O tom do amor


Às vezes eu esqueço.

Reginaldo. Esse era o nome do meu pediatra. "Tio Reginaldo" era como eu e meu irmão o chamávamos, quando íamos à Petrópolis para uma consulta de rotina. Eu gostava. Tinha um mural com fotos dos pacientes mirins em sua sala de espera. Lá estava eu vestida de índia. Todas as vezes que tinha de esperar naquela pequena sala, ficava reparando se minha foto havia sido mudada de posição, ou mesmo sido tirada dali. Então, certa vez minha mãe disse:

- Doutor, Aline anda muito esquecida. Tem remédio pra isso?

- Gabalon!

Era destinado ao tratamento do desgaste mental. Funcionou um pouco, eu creio. Nunca mais esqueci o nome do bendito remédio. Até que um dia, trabalhando com uma pediatra, ela me disse: Aline, isso não funciona. Talvez seja verdade. Estou pra lembrar de conhecer uma garota mais esquecida do que eu. Mas tem horas que dá certo com a ajuda do tempo. As águas de março estão caindo e isso me faz lembrar - sempre - que todo início de poesia, tem por ocasião um movimento no céu ou na terra. No escuro ou com sol. Faça vento ou sequidão. A poesia se dá pelo que a vida tem pra dar. Ao que meus olhos alcançam. Ao que eu estou sentindo agora.

Sinta comigo...
- o tom do Amor -

Eu não posso esquecer que
O amor não se vende.
O amor não se paga.
O amor não tem um tom.
Jabuticaba tem amor de graça.
Ou não?

Eu não posso esquecer que
Lá fora, mesmo que azul
Mesmo que cinza
E mesmo que beleza estampada
Dada plantada e regada
Não tem tom.

Não quero esquecer que
Sou minha maior desventura
Que corre de olhos vendados
Que pula poça
tipo Saci sarapintado
Enganador.
Impostor.
Soldado fanfarrão.

Não vou esquecer que
Tudo faz sentido
Onde encontro meu sentido
Seja na brecha da janela
Numa porta aberta
Numa porta aberta
Numa porta aberta
Ela sempre estará aberta.

Mas alerta, ó invasão!

Eu costumo esquecer
que
às vezes
O tom do amor sou eu quem dou.
Eu quem faço.
Traço o espaço
E que embaraço que sou.

Essa toada que descanta
E desperta como gota
que assusta
Me encanta.
E me faz perceber que
Tem coisas que
Nunca vão sair de mim.

Mas é que minha doutrina
Me reza todo dia
Um dó de desarmonia
Dorso ré
Sol, lá, mi.

Paz e bem.
Amora.